A charge acima é da Marjane Satropi, na graphic novel “Persépolis”, já adaptada para o cinema em uma premiada animação (assista na íntegra). O livro que contêm o “romance em H.Q.” inteiro é este aqui: http://bit.ly/1baeBh5 (Ed. Cia das Letras, R$46).
Aproveitamos a ocasião para compartilhar um texto do filósofo e ensaísta francês André Glucksmann (1937- ) sobre a condição feminina e que trata, em especial, das opressões impostas a elas por governos teocráticos (como o Irã sob Komeini ou o Afeganistão dos Talibãs).
ASFIXIADAS PELO OBSCURANTISMO
André Glucksmann
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Teerã (capital do Irã), 1979. Conduzido ao poder por meio de colossais manifestações, nas quais se confundiam liberais, revolucionários e religiosos, o aiatolá Komeini imediatamente decreta o uso iminente e obrigatório do chador (o véu negro). Todas as iranianas deveriam esconder seus corpos sob véus negros. Todas, jovens e velhas, fiéis ou infiéis, deveriam cobrir-se da cabeça aos pés sob pena de prisão, flagelação, apedrejamento e outras bagatelas, inclusive a morte. Ansioso por institucionalizar sua revolução islâmica, o Guia supremo acredita que o novo regime deve se estabelecer sobre uma base sólida. Essa base é o estatuto destinado às mulheres. O véu integral deve perenizar seu poder.
As mulheres de Teerã não se deixaram enganar com isso. Longe de considerar o decreto como algo anedótico ou folclórico, saíram às ruas, romperam com a unanimidade geral e realizaram a primeira manifestação antiislâmica da história. Foram abandonadas pelos homens, todos eles… Alguns deles derramavam lágrimas de crocodilo e as chamavam de volta à razão. O lamentável destino reservado às mulheres do Irã, na opinião dos homens, não era senão o prejuízo colateral de uma liberação que seria mais generalizada. E afinal, por que tantos discursos a respeito de um pedaço de pano?…
A estratégia de Komeini se mostrou frutífera. O pedaço de tecido que as “brigadas de ordem moral” impunham em Terrã tornou-se um estandarte político universal, um instrumento de conquista, uma imposição de uniforme digna dos integrantes da SA (organização paramilitar do partido nazista alemão). Os integristas, tanto sunitas quanto xiitas, considerando-se autores do decreto, perseguiram, amputaram, apedrejaram e decapitaram todas as recalcitrantes sem véus.
O aiatolá fez escola em Argel (a capital da Argélia), e a tentativa de impor o uso do véu às jovens alunas dos liceus, sob a ameaça de uma faca no pescoço, inaugurou uma série de massacres sem precedentes…
“No Irã, as mulheres são as únicas a reivindicar publicamente, não somente por meio da palavra, mas por suas ações (tirar os véus e sair às ruas), a vontade de se afirmar como indivíduos. Nos dias atuais, elas constituem um dos componentes mais dinâmicos do devir da sociedade civil. Embora até o presente momento tenham permanecido politicamente desorganizadas, conseguiram se infiltrar em uma das cidadelas que, por longo tempo, lhes foi vetada: o saber acadêmico. Se, no Irã, os imãs vigiam de perto as mulheres, isso se deve ao fato de que, em 1986, elas constituíam 19% do quadro docente das universidades, enquanto, nesse mesmo ano, na Alemanha federal, essa taxa não passava de 17%…” (F. MERNISSI, La peur-modernité, Albin Michel, pp. 206-207).
Após a chegada de Komeini ao poder, no Afeganistão, os homens empenharam-se em intensificar ainda mais a proibição da exibição de qualquer parte do corpo, por mínima que fosse. A burca é um véu que cobre integralmente o corpo, deixando apenas uma pequena faixa em forma de grade, na altura dos olhos, sob o qual a mulher sufoca e enxerga com dificuldade. Seu uso se propagou e se tornou o emblema da ditadura dos talibãs, esses estudiosos da teologia que, pelo sabre e pelo chicote, revelam sua superioridade em matéria de religião. Os homens aplicam-se a dividir o gênero feminino em “putas” (entendam: as que não usam véu) e “submissas” (entendam: as que usam véu)…
O terrorismo do véu não priva a mulher de seu corpo, mas da possibilidade de falar (seduzir ou não) com seu corpo, ele lhe corta a palavra. O chador e a burca, assim como qualquer véu islâmico, funcionam sempre como uma mordaça. Com frequência como uma pedra sepulcral.”
GLUCKSMANN, André.
Discurso do Ódio
(Le Discours de la Haine)
Editora Difel: Rio de Janeiro, 2007.
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http://bit.ly/11KAtwu (R$39,00)
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Publicado em: 07/08/13
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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